Palestra sobre o filme: "Relatos Selvagens"

PRIMEIRO EPISÓDIO

(Pasternack)

- Alguns aspectos que chamam atenção:

Uma pessoa que passa por diversos lugares com diferentes pessoas e situações: escola, namoro, profissão, lazer, com muitos problemas, chama atenção negativamente de forma expressiva e ninguém consegue olhar de fato para ele, lidar com ele.

O que seria lidar bem com uma pessoa que se destaca por suas dificuldades, sua inadequação? Seria poder vê-lo e acompanhá-lo em sua forma expressiva alarmante para compreender com ele a raiz de sua errância.

Quando não há tempo e espaço para isso, o sujeito segue repetindo do mesmo lugar subjetivo sua tentativa inicial de ser aceito, compreendido. E quanto mais faz, mais é incompreendido, justo porque faz de uma forma não apropriada.

O que seria uma forma apropriada? Aquela que possa conviver com o eu e o outro, sem imposição, atropelo, ou submissão, subserviência.

Algum espaço para ser, sem ameaças, sem invasões e sem, necessidade de invadir também.

O rapaz em questão parece ter chegado ao seu limite: não conseguia existir sem as vozes repressoras e opressoras, ao mesmo tempo, que não sabia o que fazer com elas. E isso é igual a fim de linha.

Fica claro num dado momento que a raiz de seu problema estava na relação com os pais que exigiram demais dele e ele não conseguiu atender a tal demanda, ao mesmo tempo, que não conseguiu transformar a mesma em algo bom ou viável para si.

Na escola não teve o acolhimento suficiente, nas relações amorosas e profissionais muito menos.

Esse rapaz fez algo que imaginariamente muitos gostariam de fazer: reunir em um só lugar, numa única cena, todos que o causaram mal estar, e explodir todos juntos. Esse mote imaginário parece ser a única coisa que faz sentido, que “equaciona” o mal estar num plano ideal.

Quando os recursos para lidar com a realidade falham, quando o acesso ao presente está cheio de obstáculos, a imaginação toma a função de realidade. O sujeito passa ao ato.

O que faz um sujeito fazer essa passagem ao ato e outro suportar mais essa frustração? Isso dependerá de uma série de fatores, dentre eles: o nível mínimo de atendimento as suas necessidades e desejos. Ou seja, a existência de um campo possível de desenvolvimento do seu “continuar a ser” (conceito winnicottiano de integridade de um verdadeiro self). Se todas as portas se fecham em algum momento, só resta ao sujeito pular ou fazer explodir tudo. Pois, a pressão interna é grande.

A passagem que mostra a fala do psiquiatra que diz que o paciente ficou ofendido quando ele aumentou o preço da sessão e nunca mais voltou é muito significativa. Mostra um limite tênue da capacidade do sujeito se vincular ou se aliar a alguém. O problema dele era justo que os pais exigiram demais dele, o mundo as pessoas e agora o psiquiatra também?

Ele no final parece fazer num singular ato o seu único movimento inteiro (embora trágico) pela primeira e última vez: explodir todos e seus pais. Ainda que aqueles não fossem seus pais, podemos dizer que poderiam ser, imaginariamente ou realmente, nesse caso não importa. Sua ação não é regulada pelo real, lembram?



SEGUNDO EPISÓDIO

(Ratos)

Neste episódio fica evidente um aspecto do funcionamento psíquico: a intensidade do trauma. O efeito da ação que o sujeito sofre é maior ao que ele consegue absorver e o material energético transborda sem possibilidade de representação. O trauma leva o sujeito a repetir imaginariamente a cena e idealizar uma resposta, a qual, pela própria definição, está sempre aquém do que a realidade pode oferecer.

Ao se deparar com a possibilidade real de expressão, o sujeito se sente enfraquecido para isso, a ação da expressão lhe parece débil e de alguma forma é mesmo. Pois, perdeu o timing que validaria a ação. Nesse caso teria que haver uma construção simbólica, ainda que parcial, pela via da fala, do gesto, que pudesse dar conta da intensidade do trauma.

Parece que nesse momento a única coisa que faria frente à força sofrida pelo trauma seria uma contra força de igual intensidade: o aniquilamento do outro.

Disso a cozinheira parecia saber bem. Uma ex, futura presidiária que não sabia transitar por terrenos intermediários, certamente foi muito ultrajada e só conhecia esse canal de expressão: o do extermínio, do livrar-se violentamente do incômodo, para ter um mínimo de trégua. Leia-se: congelamento ou anestesiamento.

A cozinheira diz que se sentia mais livre na prisão. E essa é uma afirmação paradoxal. A prisão real impõe um limite e a libera para muitas outras coisas: jogar baralho, não pagar pelas contas, e até se divertir com alguns amigos. A prisão sem muros a impede de muitas coisas: não pode deixar de trabalhar, tem que pagar por tudo.

A perspectiva aqui não é a de expansão tal como a felicidade e liberdade de fato podem proporcionar, e sim o que restou de possibilidade de visão: evitar sofrimento.

“Fazemos um favor à comunidade?” Ela diz, e essa parece ser uma fala que está no imaginário de muitos.

“Todos querem dar a esses babacas, o que eles merecem.“

“Por uma vez na vida você está fazendo algo que vale a pena”. Qual a referência para essas falas tão fechadas e com um efeito tão forte? Parece que está em jogo a indicação a um movimento inteiro: com início, meio e fim. De novo: ainda que trágico, fatal.

“Isso não é correto”

A cozinheira mata o agiota com um veneno para ratos. O que nos faz pensar que para ela é fácil pensar nisso, pois ambos vivem em esgotos, em lugares sujos, contaminados. Não tem saída para eles, a não ser a morte.

A garçonete consegue uma expressão forte ao jogar na cara do agiota a comida. Essa é uma expressão válida, no sentido de próxima daquilo que ela sofreu e dentro do contexto de ações possíveis para ela, um ato violento, inesperado. E isso só foi possível depois que ele gritou com ela, reeditou uma cena antiga de um lugar de afeto e pensamento juntos.

Outra coisa que chama a atenção é que a cozinheira sabe exatamente o que fazer e tem a agilidade em fazer quando o sinal de alerta é tocado: o agiota estava pronto mais uma vez para humilhar e destituir violentamente a menina. A cozinheira nessa hora não hesita, ela sabe como agir violentamente, isso para ela é o que mais teve.

A cena final chama a atenção: a menina e o filho do agiota, sentados na ambulância, os dois parecem ter se encontrado num mesmo lugar: o da perplexidade diante da violência. Seres puros, inocentes sem a linguagem da violência “imprintada”.

A cozinheira e o agiota se encontram num lugar da pulsão de morte, da violência nua e crua. Há dois lugares possíveis de encontro na vida: um diz respeito à pulsão de vida e o outro da pulsão de morte. O primeiro é saudável, o segundo é extremamente arriscado e doentio. Podendo ser fatal.

O som abafado, impactante e repetido da faca parece traduzir suas doenças da alma. Um eu sufocado por atos opressores.


TERCEIRO EPISÓDIO

(O mais forte)

Nesse episódio do filme observamos alguns aspectos:

- O motorista do Audi parece não poder com nenhum obstáculo à sua frente. Numa faixa da estrada onde não se podia ultrapassar, simplesmente ele não quer se haver com esse limite, e quer continuar no seu ritmo constante de velocidade. Não se coloca a possibilidade de alterar seu ritmo para aceitar o limite.

- Por outro lado, o motorista do carro velho e mal cuidado, parece também estar no mesmo registro: não quer alterar nada do seu ritmo e permanece independentemente do contexto numa pista que não necessariamente precisaria estar.

- Observar esse fato sem polarizar a questão entre certo ou errado, é poder acompanhar o que a cena nos mostra no todo.

- Ao estabelecer (tornar isso algo evidente) o falso impasse (falso porque a situação em si não seria de um impasse, poderia ser algo natural), forçando a passagem, o motorista do Audi, impõe sua força, e deflagra uma situação de polaridade: vencedor x vencido. E ainda vai além, descarrega sua tensão (que certamente nada ou pouco tem a ver com a situação), proferindo palavras que tentam fazer valer sua força de opressão.

- O motorista do Audi mais uma vez enfrenta (está de frente para) uma situação onde precisa dar uma resposta. A qual, mais uma vez, poderia ser natural: trocar o pneu. No entanto, usa um tempo grande tentando não aceitar a situação e chamando socorro para um lugar distante e que, inevitavelmente, demoraria, para ser atendido. A outra possibilidade seria aguardar o socorro pacientemente. Mas, ele faz as duas coisas, ambígua e ambivalentemente: chama socorro e tenta trocar o pneu, não aceitando uma realidade ou outra. E isso é típico e recorrente numa mente inquieta e agitada.

- Fica assustado e visivelmente com medo quando percebe que terá que lidar com uma situação de impasse de fato. Não enfrenta, foge. Quando o outro motorista se aproxima ele tenta refugiar-se no seu carro blindado.

- O outro motorista que também é um sujeito que parece preferir os falsos impasses, promove um confronto.

- O que vemos a seguir é uma sequência cada vez mais acirrada desse conflito: vencedor x vencido, fracassado x vitorioso, oprimido x opressor. E certamente esse conflito não apareceu ali, mas infelizmente acabou ali.

- Aquele que se sente dominando temporariamente a cena precisa descarregar toda a opressão sentida. A ira, a raiva extrema, toma conta do sujeito e o coloca para agir em direção a um objeto. É como se nesse momento para esse sujeito, ele só pudesse restabelecer sua paz se aniquilar o outro. O outro aqui é representante de todo o seu mal estar.

- Ao humilhar, depreciar, desprezar o outro é como se o sujeito tivesse o mínimo de apaziguamento para seguir adiante.

- Aquele que sofre a agressão, está imediatamente pronto, tão logo a opressão se afaste por um segundo a se tornar um agressor ainda mais potente. Nessa hora, o sujeito não pensa não se preserva, ele se lança, joga-se num abismo emocional, pois não consegue mais se ver. Tal como o agressor ele também precisa aniquilar aquele que lhe causou tamanho mal estar.

- Chama a atenção que a emoção (raiva) quando inunda o sujeito, ele não consegue enxergar outras possibilidades. Só vê: morrer ou matar, ser devorado ou devorar. Nesse caso, o motorista do Audi, poderia ter tentado sair com o carro, dar partida, assim que percebeu (?) que estava em perigo. Se não o fez, foi justo por não conseguir nesse caos psíquico, agir em favor da preservação de si. Ele teria conseguido dar partida no carro, como fez mais adiante, pelo menos o tanto necessário para estar longe do campo que o ameaçava. Mas, o que ocorre quando o sujeito é tragado por picos “racionais” e “emocionais” extremos, é que ele se acha além ou aquém do bem e do mal.

- Estar diante do “bem e do mal”, com toda a dinâmica que a vida impõe, ou seja, saber e aceitar que a vida tem irregularidades, não estabilidade, é lidar com a vida como ela é.

- Forçar o movimento para um dos lados é se colocar em perigo e produzir falsas situações, com a ilusão de dissipar mal estar.

- Outro momento que chama a atenção é quando o motorista do Audi se sente vencedor, ao empurrar o outro no abismo, ele perde a “urgência”, e vai tentar arrumar o pneu e ainda guardar o estepe (!). A frieza (anestesiamento?) diante da pretensa morte do outro, deflagra do mesmo lugar o descuido de si. Não se preserva, mais uma vez, tenta defender o pneu (!). Dando margem de novo para a entrada do mal estar de fato.

- Ou seja, quando o sujeito se defende muito para não ter mal estar ele instaura um mecanismo interno de vulnerabilidade enorme para ser atingido por grande, e talvez fatal mal-estar. Enquanto que quando o sujeito se preserva para não ter mal estar ele se fortalece com recursos internos que o colocam potentes para lidar com aquilo que se chama mal estar. Pois, ele consegue enxergar com clareza e tranqüilidade o se lhe apresenta, e assim sendo pode se proteger de fato porque saberá o que precisará usar como ferramenta ou instrumento de ação.

- O motorista do Audi só sente o alarme de perigo quando o perigo esta eminente. Arranca com o carro. Ouve um alarme falso de novo que o coloca em situação fatal. Quando o sujeito o ameaça, dizendo saber sua placa do carro. Nessa hora o alarme é falso, porque essa ameaça não era do presente, seria uma possibilidade futura, a qual ele poderia se defender já em outro campo que não aquele tão arriscado. Mas, de novo, o que está em jogo é a ameaça ao ego, e nessa hora o sujeito não pensa, ele simplesmente sente-se imaginariamente invencível.

- Quando o pneu do carro finalmente não agüenta a pressão exigida por tantas manobras e velocidade, o sujeito cai literalmente no abismo.

- Não à toa a imagem metafórica é a do abismo, lugar que as pessoas tanto temem e paradoxalmente produzem em suas vidas.

- Os dois se debatem no carro até a morte. A cena é tão grotesca e canibal quanto infantil no pior sentido da palavra, com direito até a mordida.

- É lamentável ver dois seres se reduzindo a um nada. Sem saída, sem defesas de fato. ELES TINHAM UMA ESTRADA INTEIRA PARA PERCORRER, NOS DOIS SENTIDOS, E SE CONFINARAM NUM CARRO DENTRO DO ABISMO.

- É inevitável nos perguntarmos no final: mas o que houve ali de fato? Por que tudo isso? O que disparou toda essa tragédia?


QUARTO EPISÓDIO

(Bombinha)

- Este episódio retrata de uma forma muito clara algo que vivemos na atualidade, no nosso cotidiano: a violência revestida de cinismo e banalização dos direitos mais fundamentais do cidadão.

- Atitudes cínicas de pessoas que embora estejam vivendo o mesmo contexto que os outros, apoderam-se num dado momento de seus papeis de funcionários que cumprem ordens e tentam imputar aos outros uma lei asséptica, não contextual e fora da razoabilidade do humano.

- Por que agem assim? Bem, aquele que se vê sem possibilidade de se posicionar diante da opressão de uma abstração chamada “lógica de mercado” onde não cabe um cidadão e sim um consumidor em princípio devedor sempre, ao revestir-se de funcionário é como se ele esquecesse o seu ser cidadão e de uma forma quase ou mesmo sarcástica quisesse obter prazer (secundário ou torto) diante de uma situação que pode posar como opressor. Ou seja, tomar o lugar agora de agressor, ou senhor. (vocês já repararam a “alegria irônica’ que muitos atendentes negam algo solicitado?)

- O sujeito tenta com muita calma fazer valer seus direitos e a resposta é um riso sarcástico

- O sujeito se vê engarrafado, sem conseguir chegar ao aniversário da filha

- Paga caro por uma torta que não é celebrada, apreciada. TUDO TORTO.

- A mulher lhe diz algumas coisas que ficam no limite do saudável e não saudável. O que nos parece é que este casal está completamente descompassado. Ela tentando de uma forma quase ou mesmo masoquista segurar as insatisfações que o contexto social e os efeitos dele em sua relação a impõe e ele tentando resistir a isso.

- As duas posições aparentemente opostas falam da mesma coisa: a não aceitação da realidade. Um resigna-se enquanto o outro se rebela. Quando há a resignação como defesa para lidar com aquilo que causa mal estar, o sujeito não consegue erigir recursos na sua fala, na sua atitude no seu pensamento para se posicionar. Assim como, quando há um precipitado da rebeldia ou transgressão, o sujeito não consegue se conectar com o momento presente e, portanto não consegue encontrar possibilidades mais efetivas de se posicionar e fazer escolhas.

- No caso que estamos analisando o sujeito não era exatamente um rebelde ou transgressor, mas era alguém que acumulava insatisfações há algum tempo. Isso fica claro pelo diálogo dele com a esposa. Ele já era apreendido por ela como alguém que não acompanhava o ritmo das coisas, e isso no diálogo revela-se como uma tentativa ferrenha dele de fazer parar o tempo para caber suas necessidades e desejos que pareciam nunca contemplados no ritmo de uma sociedade apressada, indiferente, autômata e individualista.

- Como lhe disse a esposa, ele teria alternativas para não perder o aniversário da filha. Mas, não podemos deixar de observar também que ela como ele não contemplava outras possibilidades, haja visto, que se recusou a cantar parabéns com a torta trazida.

- E essa intolerância exacerbada nada tem a ver com aqueles fatos em si mesmos e sim com um acúmulo de ultrajes a eles mesmos anteriores não percebidos e agidos correta e pontualmente.

- “Take it easy”, é o que diz um cara na fila, depois de explicar todo o esquema que é feito para que multem e reboquem NO DEPARTAMENTO DE TRANSITO.

- O engenheiro tenta explicar ao voltar ao departamento para pagar a multa do reboque que não havia sinalização na rua indicando que não podia estacionar. E o atendente mais uma vez lhe diz com indiferença e cinismo, que ele deve recorrer às paginas do departamento de trânsito, para saber sobre a legislação vigente das ruas.

- Nessa hora, desencadeia-se um impasse entre aquele que está resignado e aquele que não quer se resignar de forma alguma e não vê outra forma senão a de se rebelar. É preso.

- A demissão do engenheiro se dá por uma lógica de mercado. A prefeitura é um dos principais clientes da empresa onde ele trabalha e a repercussão do caso nos jornais foi grande.

- O engenheiro se vê desempregado e separado da mulher. Na sessão tribunal a fala da advogada que representa sua mulher decreta rapidamente um estado de coisas que não são exatamente verdadeiras e sim tomadas de um lugar de verdade. A provisoriedade tomada como um estado definitivo faz estragos. Nesse caso, é retirada do sujeito, a possibilidade de guarda compartilhada porque ele estaria a um mês desempregado. Obviamente não se trata deste fato em si e sim de uma produção de fraqueza, vulnerabilidade e alienação do outro. Nessa hora é curioso como o saber psicológico é utilizado pela advogada para domesticar e humilhar o outro. “De coração, vá a um terapeuta”.

- Mais um fato que desorienta o engenheiro. E aqui podemos observar que o caminho do desequilíbrio é produzido por pequenos e sucessivos acontecimentos que se associam e formam um estado de coisas e uma imagem do sujeito para si e para os outros. Uma vez isso posto é difícil reverter a situação. Mas, o caminho do equilíbrio igualmente se fortalece através de pequenos atos e uma vez constituído é forte e indica uma percepção de si e dos outros que se torna menos vulnerável às adversidades e intempéries.

- Outro episódio de reboque, nessa hora o sujeito faz todo o ritual quase como um robô. Se sentindo massacrado.

- E logo após o ritual, ele faz aquilo que sabe fazer com precisão: produz uma explosão no departamento de transito. De forma que não tenha nenhum ferido, mas que faça abalar essa estrutura. Mais uma vez, assistimos a um movimento inteiro que se faz sob forma de explosão.

- Muitas matérias no jornal e a conclusão através de muitos fatos publicados anteriormente de que isto só poderia ter sido feito por ele. Muitos pedem ajuda ao: “Bombinha” porque não agüentam mais ter o carro rebocado.

- Muitos defenderam a liberdade dele.

- E a cena final nos chama atenção: a filha, a mulher e os companheiros na cadeia, todos juntos o homenageiam.

- O que fica pra gente aqui é que quando não paramos somos parados. Foi preciso ir ao limite para ter quietude.


QUINTO EPISÓDIO

(A proposta)

- Um acontecimento trágico que revela o quanto o sujeito estava mal psicologicamente.

Muitas vezes a pessoa precisa ir ao limite para ser visto. Um pedido de ajuda extremado.

De novo uma cena onde o carro, o super carro, parece traduzir o ego do sujeito. O que pode um sujeito com uma máquina tão poderosa nas mãos? Quase como se o carro fosse uma arma. O sujeito ameaça o outro, sente-se forte, através desse instrumento. Nos dois casos, fica a impressão de que os sujeitos se acham invencíveis, além do bem e do mal, através dos seus autos (!). De outra forma, respeitaria os seus limites.

Ao se encontrar com algo de uma forma tão violenta o sujeito se assusta e não sabe mais o que fazer.

E os pais também não. Quem cuida dos assuntos da família? Um sujeito nada confiável.

Os pactos estavam todos feitos: um advogado que explora seu cliente, um cliente que terceiriza seus problemas para ter o mínimo de apaziguamento.

É incrível que o sujeito pense no caseiro para sustentar aquilo que ele não sustentou com seu filho. A culpa precisa ser de outro, assumir sua própria culpa é insuportável. A ideia de algum mal estar poder surgir o apavora. Construiu um castelo nada poderia abalar isso. Na verdade, o ideal de segurança interna das pessoas acompanha a crença de que a construção de uma moldura material forte irá salvá-la de qualquer infortúnio.

E o que percebemos é que esse rapaz estava muito distanciado de si e de sua família. Estava só. Talvez por isso tenha tido que encontrar de forma fatal com uma mãe e um filho, um encontro tão traumático que resultou em morte.

Chama a atenção que embora muitos aspectos tenham sido pensados e calculados, sempre escapa algo a aquele que se quer de um lugar obsessivamente defendido.

Neste caso, o policial descobre rapidamente por um pequeno detalhe que havia algo errado, inapropriado.

Outra coisa que chama muito a atenção é que o sujeito pactua muito, até que chega um ponto que ele não negocia mais nada. Isso acontece quando o sujeito vai muito mais além, na vida, do que seria razoável para ele. Estamos falando aqui do pai do menino. Ele perde a noção do perigo real ao romper o pacto.

Todos os meticulosos acordos feitos por todos, caem por terra quando aquele (marido da vítima) que não tem com o que acordar se volta para o ato, o único ato que consegue fazer para, dar conta da morte sofrida: matar.


SEXTO EPISÓDIO

(Até que a morte separe)

Este episódio é especialmente interessante, pois ele revela algo de difícil apreensão: a apresentação do desejo.

Deixaremos mais clara essa ideia ao final.

Aquilo que se define como desejo é algo muitas vezes difícil de ser acessado no próprio sujeito e pelo próprio sujeito.

Isto porque a constituição do desejo, sua emergência e expressão só poderão existir se o sujeito estiver aberto a se conhecer sem pré-concepções. Interagindo com tudo que existe seu no momento presente, com tudo que está a sua volta no seu contexto e do outro, o sujeito criará condição de possibilidade de saber claramente do seu desejo.

Ou seja: aquilo que o emociona o afeta o toca profundamente. Aquilo que quando entra em contato, tudo a sua volta faz sentido, torna-se fluido, natural e não existe separação entre ele o outro, outro pessoa, outro mundo.

Essa quietude é conquistada por uma ação precisa em direção a algo que não se sabe por um nome ou por uma forma definida, mas que o impulsiona a agir em uma direção que fará todo sentido.

Fazemos essa introdução para falar de uma estória que se apresenta inicialmente cercada por uma moldura convencional: a do casamento.

As relações convencionais pressupõem “pequenas” transgressões. Transgressões mais que naturalizadas, e a traição é uma delas.

O sujeito trai, na mesma proporção que mantém pactos doentios consigo mesmo e com o outro.

Uma compulsão que toma o lugar de um movimento inteiro, completo e que exigiria muito mais do sujeito.

O movimento da compulsão é aquele que precisa agarrar-se a um objeto e exauri-lo justo para que não tenha que se haver com a construção de sentido do presente.

É como se o sujeito não aceitasse por completo a repressão, mas por outro lado, não consegue buscar formas de reivindicar uma expressão legítima e apropriada para validar sua experiência. O que ocorre é uma dissociação entre aquilo que faz sentido para ele e aquilo com que precisa negociar para ter algum prazer proveniente de um campo genuíno.

Dedicar-se a alguém, a uma relação e a si mesmo, incorre em alguns riscos. A temporalidade do presente impõe sempre a provisoriedade das coisas. Como se entregar a algo que poderá ser rompido a qualquer momento?

No entanto, o fantasma do abandono, da impossibilidade, da ruptura, do desamparo, é muito maior do que a efetividade da situação real.

Na realidade, quando o sujeito aprofunda e transita por terrenos verdadeiros com o outro, a relação torna-se consistente. Porta uma densidade que estimula, reforça a confiança e a crença na relação de um no outro.

Esse terreno é propício para a instauração e vivência do desejo.

E quando isso é suplantado por uma falsa necessidade de segurança, através de contratos formais e materiais, o desejo sai de cena. Pois o mesmo não é passível de ser apreendido por nenhum pacto.

O que há como suporte do desejo é uma verdadeira aliança. Um sujeito vira aliado do outro, e isto quer dizer que eles podem se entregar sem medo, um cuida do outro e cada um cuida de si. Não há subterfúgios.

Nesse caso, o casal, parece ter sido “engolido” - ou boa parte da relação - pela lógica do está ‘tudo contratado”. Então, podemos parar de viver a vitalidade e dinâmica da relação.

Pensemos nas confecções atuais das festas de casamento, nos planos materiais dos casais e dos projetos de paternidade, para falar só de algumas metas que parecem que precisam ser atingidas num tempo recorde, e ao mesmo tempo padronizado de tempo.

Ao se voltarem para essa perspectiva o casal se perde do núcleo central de sua relação: o prazer singelo, natural, espontâneo e pontual de estar juntos.

E de tanto fazer isso na prática, abre-se um campo enorme para a necessidade de obter esse prazer fora da relação, em um outro lugar, clandestino.

O prazer agora terá que ser vivido de um lugar ilegítimo.

Mas, quando olhamos de perto, vemos um sujeito que não atende de nenhum lugar por sua inteireza e sim por fragmentos seus que foram compostos ou arranjados para caber em todo esse mosaico.

Voltando a cena do casamento, quando a noiva percebe a banalização do seu desejo ela parece surtar.

Para ela é insuportável ver-se diante de um simulacro do seu desejo.

Convoca o seu homem a uma verdade inexorável.

E quando ele confessa o desvio do curso do seu desejo, para ela é insuportável.

É como se o sujeito nesse momento desconhecesse tudo a sua volta e dentro dele. Sente-se um estranho e o outro também passa a ser um estranho.

Ele só percebe a gravidade da sua dissociação quando ela mostra a ele por cenas totalmente desconhecidas a ele (produzidas através de um abalo fantástico ao mundo dela), que ela o vê agora de um outro modo. Ele torna-se um objeto de ódio dela.

Tudo que ele fazia escondido ela descortina em ato na frente dele e ele não suporta, vomita, se fragiliza, perde o humor, sente-se ridículo. Parece que nesse momento se vê diante do espelho com sua imagem totalmente fragmentada e a imagem não é nada boa de ver.

Ela segue em surto maníaco metralhando tudo a sua frente.

Quando ela para e chora, ele a ouve novamente de um lugar onde ele se reorganiza internamente e o que ele vê agora é sua imagem inteira, desejante, sem compromisso com o social, o aparente, e sim com uma irrupção avassaladora do desejo: bebe e come com toda vontade. Se aproxima dela com ternura e delicadeza, a olha profundamente, acha sua boca, acha o ritmo deles e se acham num movimento estonteante.

O que podemos pensar? Que o desejo quando se apresenta a banalidade sai de cena, não há espaço para mais nada.

Não à toa todos os episódios terminam com facadas ou explosões, com uma pequena grande diferença do último que por um segundo fez toda a diferença e a faca empunhada deu vazão a uma boa expressão.

Boa expressão porque pôde aliar morte e vida, a faca é um elemento forte que pode matar e ao mesmo tempo pode ser algo utilizado para extrair algo da vida e transformá-la não necessariamente mais em morte E SIM EM PRAZER NO SENTIDO MAIS PLENO E SUBLIME.

A passagem aqui não é mais imediata e sim mediada por uma ternura, um vínculo, que tem a expressão violenta da paixão: o desejo.